Esses não são todos os versos da minha vida. Alguns foram rasgados, como tinham de ser. Outros foram perdidos. Alguns simplesmente esquecidos, num canto qualquer de armário ou num amor qualquer que eu nem me lembro o nome. Os versos que chegam aqui são sobreviventes. Como eu sou um sobrevivente da vida. E a poesia, uma sobrevivente em mim.

domingo, 7 de novembro de 2010

nesses dias nublados

nesses dias nublados, nessas ruas pequenas, em que quase não passam carros, cheias de árvores que sobem até o topo da vista e se juntam lá em cima, formando um céu verde, o céu do meu sonho, nessas ruas e nesses dias, quando um friozinho gostoso sopra na cidade, quando as nuvens são cheias de cinza e azul, quando tudo parece molhado, mesmo que não chova, quando a chuva não é uma chuva pesada, mas aquela chuvinha fininha, que bate na pele da gente, e gela, nesses dias em que as janelas dos ônibus ficam fechadas, e a gente vê a cidade através das gotas, e fica soprando a janela pra poder escrever coisas bobas, como eu te amo... nesses dias a gente parece mais sozinho, e todo mundo parece mais juntinho, como se o mundo tivesse sumido, e todo mundo tivesse dentro de casa, como se toda a família estivesse junta, as crianças pulando nas camas, alguém fazendo a comida, alguém vendo televisão, e todo mundo conversando, falando, cantando, rindo, como se o tempo não passasse um segundo, como se fosse domingo, ou nem sei, como se não fosse nenhum dia, como se nada importasse, como se fosse perto do natal, e alguém chega do trabalho, todo ensopado, e as crianças pulam no colo, e todo mundo parece feliz..


nesses dias eu passo por essas ruas, e vou olhando as janelas dos prédios, as varandas, os portões antigos das casas, e imaginando, que atrás daquela janela, deitado numa cama quentinha, com medo do frio, está, enroladinho num cobertor, o meu amor. esse amor meu que eu não conheço, a não ser pelo sonho, mas que eu sei que existe, nem que exista só em mim, mas existe. esse amor que eu procuro todo dia, e toda a vida. esse amor pra quem eu escrevo essas cartas, que eu beijo, que me deito, mas que eu ainda não conheço. e imagino que ele está lá, enroladinho no cobertor, e eu aqui, debaixo da janela. e então eu entro em casa, e grito, já cheguei, meu amor, e ele vem correndo, com o cobertor no ombro, e pula em cima de mim, e me abraça com aqueles braços de menino, e eu posso sentir o corpo quente dele esquentando o meu corpo molhado. ele me beija e me diz que estava morrendo de saudade, me faz tomar um banho, esquenta o chocolate, e a gente deita na cama. o frio passa por aquela frestinha na janela, que balança a cortina de leve e deixa os nossos corpos todo arrepiados. a gente deita na cama, nos enrolamos os dois naquele cobertor, de braços e pernas misturados, de peitos se encostando, olhando uma tv que não diz nada, porque os nossos olhos só olham pra nós mesmos, então ele me diz que me ama, eu lhe digo que lhe amo, e assim, já certos de nossos amores, e da verdade de que nós existimos, nós dois dormimos, como dormimos agora, mesmo que acordados, sonhando um com o outro, como quando serão os dias quando a gente se encontrar, como vai ser bom, nesses dias nublados, nessas ruas pequenas, ter um ao outro, pra abraçar, pra beijar, pra dizer e ouvir que ama, pra deitar enroladinho no cobertor, pra sonhar, mas sonhar junto.