Esses não são todos os versos da minha vida. Alguns foram rasgados, como tinham de ser. Outros foram perdidos. Alguns simplesmente esquecidos, num canto qualquer de armário ou num amor qualquer que eu nem me lembro o nome. Os versos que chegam aqui são sobreviventes. Como eu sou um sobrevivente da vida. E a poesia, uma sobrevivente em mim.

domingo, 8 de janeiro de 2012

meros desconhecidos


foi assim, de imediato. na mesma hora meu olho parou em você. nos seus olhos, seu cabelo, escorregando pelo seu rosto. entre trens e pessoas debaixo da cidade. você era todo curva, todo movimento. seu jeito menina, de parar, de mexer nos cachos, de virar de lado, de olhar quase que mordendo a boca, de andar. essa voz assim tão delicada. eu simplesmente não consegui parar de olhar pra você. olhar mesmo assim como quem come, como quem invade, como quem despe. eu toquei cada parte do seu corpo com esse meu olhar atrevido. então você se mexe, me olha de lado, e ajeita a camisa, como quem descobre uma parte do corpo de fora, embora você estivesse irritantemente todo vestido. lindo, mas vestido. impressionante como você era todo carne e delicadeza, ao mesmo tempo. e eu não sei se queria te comer, ou me apaixonar por você. talvez os dois. quem sabe até ao mesmo tempo. 

claro que eu não dispensaria você no meu almoço, com certeza, mas sei lá. acho que primeiro eu ia querer levar você pra passear, ver um filme no cinema, comer uma pizza, falar abobrinha, e se o tempo desse e o vinho subisse, quem sabe até falar de coisa séria, da vida, das dores, alegrias, passados. queria antes de tudo provar um pedacinho de beijo. só um pedacinho. que não matasse a fome, mas deixasse um gostinho do resto. uma vontade de experimentar de novo. e de novo. até que nós invariavelmente acabaríamos nus, um do lado do outro, emaranhados numa cama, num apartamento qualquer dessa cidade tão grande. assim, anônimos. sem nomes, sem obrigações, e por isso mesmo sem mentiras. só dá pra ser absolutamente verdadeiro com desconhecidos. e então, com a certeza de que nunca mais nos veríamos, nós nos entregaríamos completamente, e contaríamos um ao outro os nossos maiores segredos, nossos maiores medos, nossas verdades mais sinceras e nossos sonhos mais inviáveis.

e quem sabe, assim, por um acaso, eu não jogasse fora o telefone seu que eu anotei num canto qualquer de papel, como quem anota um bilhete meio sem importância, e guarda assim com um desleixo quase querendo perder. e aquele bilhete rodaria minha mochila, meus cantos de gaveta, meus bolsos de calça, até que num dia frio, tipo aqueles dias nublados, quando a gente fica mais sozinho, eu finalmente encontraria, sem querer, o papel que eu nunca me deixei perder. te ligaria, e por um milagre, você atenderia. tantas possibilidades, não? você podia estar estudando, ou assistindo um filme, podia ter colocado no mudo, no silencioso, ele podia estar vibrando esquecido num canto do quarto, ou você podia simplesmente não querer atender um número desconhecido, ou mais ainda, não querer atender aquele número mais que conhecido. mas ao invés disso, você pegaria o telefone e simplesmente diria: oi. e no momento que eu ouvisse aquela tua voz de menina do outro lado, um sorriso enorme partiria meu rosto de lado a lado, um conforto quentinho me abraçaria o corpo todo. e eu te chamaria pra sair. inventaria qualquer desculpa pra que tudo parecesse um mero acaso, uma puramente incidental coincidência. e assim, como quem até quer, mas nem faz questão, eu me arrumaria horas na frente do espelho, colocaria a minha roupa mais bonita, me faria todo o mais interessante possível, até o limite que a minha realidade de menino simpático permitisse.

e iria te encontrar. você, do mesmo jeito, iria assim, largado, de qualquer jeito, de um jeito e de uma beleza estonteante. e nós nos olharíamos como simples caras, que se esbarram novamente depois de uma boa noite. mas os nossos olhos nos enganariam. e o que era pra ser frívolo, seria verdadeiro, o que era pra ser mero, seria intenso, o que era pra ser só mais um, seria único. e enquanto o filme passasse e ninguém mais olhasse, eu encostaria de novo meu braço no seu, e pegaria sua mão na minha, e entrelaçaria todos os nossos dedos, e viraria delicadamente pro seu lado. e enquanto nossos olhares se encontrassem e teimassem em ser fundos, e fortes, e intensos, eu lhe puxaria pra mais perto, e com a outra mão já enlaçada no seu cabelo, eu delicadamente encostaria os meus lábios nos teus, primeiro a parte de baixo, depois a de cima, como quem bebe mesmo a outra boca. e esse seria não mais um, mas o nosso primeiro beijo. o beijo que nós lembraríamos pra sempre. o beijo que marcaria a nossa data. e que nós comemoraríamos, a cada mês, depois a cada ano, no dia inesquecível do início do nosso grande amor.