o que eu faço com esse menino? que me deita no colo toda noite, que brinca com seus sonhos infantis na minha frente, que me fala de todas s suas esperanças. menino diante da estrada que é ele, cheio de vontade e correria, que eu, nesses meus dias de meio de vida, meio cansado, tento acompanhar.
eu lhe digo que eu sou um homem e ele um menino. e que meninos e homens podem até se encontrar, podem até se encantar, mas andar juntos já é muito complicado. ele me diz que não é criança. e se revolta e vira a cara. e bate os pés como quem tem oito anos. me xinga, amaldiçoa e vai embora. e depois volta. volta se enroscando no meu colo, se ajuntando no meu peito, como um menino arrependido. e me pede desculpa pelos meus erros. e diz que já esqueceu tudo. eu olho pra esses olhos castanhos e sei tudo o que ele sente. pudera ele olhar os meus e me ver. meninos não conseguem enxergar por dentro dos homens. ainda bem. porque eu não sou tão bonito por dentro quanto - imaginem - ele me vê bonito por fora. há segredos demais, histórias tristes demais, mágoas abertas e feridas muito feias de serem vistas. é reciso estômago. é preciso vida.
dessa vez eu sou o mais velho. eu sou o que sabe. saber o que? só sei o que eu aprendi nesses meus poucos anos de vida. muita vida, é certo. mas ainda poucos anos. e quem sabe lá o que esses dias me reservam. quem sou eu pra dizer quem é o menino certo. então eu não penso. e vou. vou de mãos dadas com ele pela rua, por cada caminho da sua aventura. visito com ele todos os lugares que eu já conheço. mas para ele tudo é novo e incrível. ele aproveita cada minuto. faz de cada coisa como se fosse um mundo inteiro novo. e ri. e eu me alimento do seu sorriso, da sua alegria, como um palhaço que ganha o dia com a felicidade do outro. mas não sei ao certo se esse riso me acompanha quando eu vou pra cama e me deito sozinho, nas poucas noites que eu passo longe desse menino.
eu não quero magoar mais essa criança. não quero lhe ferir a ponto de imacular a sua esperança. não quero lhe iludir. não quero me iludir. ao mesmo tempo eu não sei, não sei de tudo, não posso querer adivinhar a vida inteira, como se trinta anos bastassem para saber a verdade do mundo. e eu fico aqui. do lado da minha criança. lhe ponho na cama, lhe ajeito o cobertor, e deito ao seu lado. é lindo ver esse meu menino dormir, com seus olhos tranquilos, seu rosto quase sem marcas, de um descanso que só nos primeiros anos da vida. e fico imaginando os seus sonhos. e sei que eu estou em boa parte deles. então eu durmo. e descubro, surpreso, que ele já começa a estar em alguns dos meus.
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